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sábado, 11 de agosto de 2018

Mataram Jay e Lauren ao 369.º dia

Jay e Lauren fizeram o que muitos já pensaram fazer: despediram-se do emprego e foram viajar pelo mundo. Deixaram os EUA em direcção a África, passaram pela Europa e seguiam agora pela Ásia. Queriam dar a volta ao mundo de bicicleta. Foram assassinados.

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Africa, Europa, Ásia. “Neste momento no Tajiquistão.” Jay Austin e a namorada Lauren Geoghegan estavam naquele momento no Tajiquistão, no centro da Ásia, entre o Afeganistão, o TurcomenistãoUsbequistão, Quirguistão e China. Ali era difícil pedalar – e eles sabiam bem avaliar a dificuldade do terreno, há um ano que andavam de bicicleta pelo mundo -, fazia vento e frio, a altitude nas montanhas não deixava Lauren respirar. “Neste momento no Tajiquistão.” Já passaram dez dias desde que os mataram. No perfil em que partilhavam a viagem continua a mesma biografia: “Neste momento no Tajiquistão.”
Jay e Lauren, 29 anos, norte-americanos, deixaram os respetivos empregos para “viver o sonho”. Queriam viajar pelo mundo: ver elefantes no Botsuana, acampar no Malawi, fazer praia em Nungwi, no Zanzibar, ver as igrejas ortodoxas na Turquia ou subir até à vila de Sary-Tash no Quirguistão. Queriam e foram fazê-lo. Há duas semanas, quando atravessavam uma estrada a caminho de Danghara, no Tajiquistão, acompanhados de mais cinco ciclistas, um carro passou. Atropelou-os e seguiu em frente. Os corpos dos quatro ficaram estendidos no chão com as pernas entrelaçadas nas bicicletas. O condutor abrandou e inverteu a marcha, voltou a passar-lhes por cima. Assassinados.
Era o 369.º dia de viagem de Jay e Lauren. As outras duas vítimas mortais tinham nacionalidade suíça e holandesa. Segundo o ministro do Interior do Tajiquistão, citado pela imprensa internacional, seguiam no carro cinco pessoas que, após o atropelamento, saíram do veículo e atacaram o grupo com pistolas e facas. Dias depois, através das redes sociais, o Daesh reivindicou o ataque e assegurou que se tratava de “soldados do califado”. A embaixada dos EUA no país confirmou em comunicado que pelo menos um suspeito foi abatido e três detidos pelas autoridades.
“Iremos estar atentos a avisos, tendências e vamos sempre escolher os caminhos com menor risco, mas não vamos evitá-los de todo (obviamente, será impossível). A vida é quase sempre aborrecida e pouco aventureira em quase todos os lugares do mundo e não vamos excluir países simplesmente porque algo aconteceu ou porque o Governo norte-americano e o governo de determinado país não se dão bem”, escreveu o casal no blogue “Simply Cycling”, que criaram quando começaram a viagem. Não tinham medo do caminho que iam fazer mas prometiam ser cautelosos.
Tajiquistão aparentemente não seria dos locais que podiam causar mais problemas, aliás, 2018 foi declarado como “o ano do turismo” no país - e também por isso houve alguma cautela em usar a palavra ‘terrorismo’ para o que aconteceu. É frequente encontrar ciclistas estrangeiros pelas estradas do país.
Chapéu, 56 gramas. Tablet, 311 gramas. Jay e Lauren pesaram cada grama que guardaram nas malas quando saíram de Washington D.C. em julho do ano passado. Tudo o que levariam de casa seria carregado às costas e quanto mais peso mais difícil a viagem. Ainda mais quando era imprescindível o material de campismo, contaram os amigos ao “New York Times”, que esta terça-feira publicou um perfil do casal.

HÁ OUTRA FORMA DE VIVER

Hey amigos!

Grandes notícias. Dentro de seis semanas, a Lauren e eu vamos despedir-nos dos empregos e deixar DC para pedalar pelo mundo durante os próximos anos. Estou entusiasmado, mas é terrivelmente triste despedir-me de tantas pessoas bonitas que me são próximas há tanto tempo. Gostava de vos ver a todos ou falar ao telefone antes de ir embora, por isso digam se ou quanto vão estar por aqui!”

A 16 de maio do ano passado, Jay anunciava a despedida aos amigos. No perfil de Instagram que em breve se viria a tornar uma espécie de diário de viagem, deixou os detalhes gerais dos planos com a namorada: voar até à África do Sul, seguir de bicicleta até ao norte de África, chegar à Europa e rumar à Ásia. “E se conseguirmos chegar tão longe, depois Austrália e Américas.” Além de pedalar, planeavam deslocar-se algumas vezes de avião e barco, iam carregados com tendas e todo o material de campismo. Criar um blogue, fotografar com o telemóvel e publicar “sempre que houvesse rede” era rotina planeada.
Conheciam-se há quase 20 anos. Tinham daquelas histórias de miúdos que eram amigos durante a adolescência, cresceram juntos e um dia perceberam o que os unia. Licenciaram-se na prestigiada universidade norte-americana de Georgetown, emWashington. Jay trabalhava no departamento de habitação e desenvolvimento urbano, Lauren no gabinete de candidaturas da universidade.
Cansei-me de passar a maior parte do tempo à frente de um retângulo brilhante, de pintar os melhores anos da minha vida apenas em tons de beije e cinzento. Sinto falta dos vários pôr do sol a que virei as costas. Demasiadas tempestades ficaram por ver, demasiadas brisas ficaram por notar.” Dias antes de deixar o trabalho, Jay explicou no blogue aquilo que o fez querer mudar de vida. “Sei que há outra forma de viver. Tenho explorado isso e agora é tempo de me comprometer.”

Segundo o “New York Times”, Jay tinha a ambição de viver com o mínimo possível, livrar-se de tudo o que não era essencial. Construiu a sua casa com apenas 13 metros quadrados – o feito foi motivo de várias reportagens – e era vegetariano.
Os dois viajaram muito, para longe, quase sempre por muito tempo. Ela já passara o verão em Beirute, no Líbano. Ele percorreu os EUA de scooter, a Europa de comboio. Ela fora uma temporada para Madrid para aprender espanhol. Ele estivera uns tempos na Namíbia e conhecera a Índia.
Agora, na sua volta ao mundo, num dia normal pedalavam 40 quilómetros por dia; num dia em que era suposto só viajarem, chegavam a fazer 60. Contavam com pouco mais de oito mil dólares para um ano, 700 por mês, 23 por dia.
Se o caminho não tivesse sido interrompido, estariam agora algures num outro país. Jay e Lauren falaram em dar a volta ao mundo, pedalar durante mais um ou dois anos. “Mas só se estivermos a gostar.”
MM

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