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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Liberdade em duas rodas.

Mesmo contra - indicada por alguns médicos, a bicicleta ajudou a independência feminina.O costume de andar de bicicleta influenciou o vestuário feminino e ajudou as mulheres a se livrarem do espartilho. Ilustração do semanário O Rio Nu em 1903.
“Ela tem feito mais para emancipar as mulheres do que qualquer outra coisa no mundo”. Esta frase da líder feminista americana Susan Anthony (1820-1906) parece referir-se à pílula anticoncepcional ou a alguma outra coisa que possa ser facilmente identificada com a emancipação feminina. Mas ela trata da bicicleta. Na virada do século XX, esse veículo sobre duas rodas teve um papel mais importante do que se costuma crer na luta pelos direitos das mulheres, dando a elas autonomia para irem sozinhas de um lugar a outro e ajudando a enterrar as antigas roupas que limitavam seus movimentos.

Quando as primeiras mulheres começaram a pedalar, nem todos aprovaram o novo hábito. Alguns médicos achavam que essa atividade lhes faria mal. Para o médico francês Phillipe Tissié (1852-1935), poderia causar até abortos ou esterilidade feminina. Felizmente, houve na medicina quem pensasse diferente, como o também francês Ludovic O’Followell, que atestava: o ciclismo contribuía para a saúde e não era perigoso para a maternidade.

 Havia até médicos que julgavam a bicicleta indecente, porque daria prazer à mulher na fricção do selim em suas partes íntimas. O’Followell rebateu mais esse argumento. Ele disse que algumas jovens poderiam realmente sentir prazer ao pedalar, mas não se tratava de um problema do artefato, e sim daquelas “pouco honestas”, que faziam mau uso também de outros aparelhos. Ele achava que algumas poderiam sentir a mesma excitação no banco de um carro.

“Se, por azar, um passeio de bicicleta revela à ciclista uma nova satisfação genital, não é necessário concluir que a bicicleta cria depravadas. De resto, em investigação conduzida por nós com o propósito deste trabalho, foram negativas todas as respostas à pergunta: sentem algum prazer de ordem íntima quando pedalam? Não é necessário, portanto, acusar a bicicleta, mas sim a ciclista”, diz O’Followell no seu trabalho.

Ignorando os alertas médicos contra o ciclismo, francesas e americanas foram as primeiras a interessarem-se pela atividade, ainda no final do século XIX. As bicicletas da época já tinham um formato mais parecido com a atual e não lembravam tanto seus antecessores, os velocípedes, criados em 1863 pelos irmãos franceses Pierre (1813-1883) e Ernest Michaux (1841-?).

As feministas logo aderiram à novidade. “A mulher está a pedalar em direção ao sufrágio”, disse a americana Elizabeth Staton (1815-1902), citando outro direito ainda por conquistar na época. A bicicleta é “igualitária e niveladora” e ajuda a “libertar o nosso sexo”, afirmou a presidente da Liga Francesa de Direitos da Mulher, Maria Pognon (1844-1925). Entre os americanos, o ciclismo ficou ligado à figura da New Woman, que contestava os tradicionais papéis femininos envolvendo-se com movimentos reivindicatórios, principalmente pelo direito de voto.

Algumas pioneiras tentaram fazer carreira no ciclismo desportivo, mas essas iniciativas foram reprimidas e a organização de competições femininas foi proibida. Relacionando força, agilidade e velocidade, esse esporte deveria ser privilégio masculino. Para se manterem ativas e continuarem reivindicando a participação em campeonatos, as mulheres se envolveram, então, em desafios de distância e velocidade.

Em 1894, por exemplo, a americana Annie Kopchovsky (1870–1947) decidiu aceitar o desafio, lançado por dois clubes masculinos de Boston, de dar a volta ao mundo em cima de uma bicicleta. Adotou o sobrenome de Londonderry, em função de uma marca de água mineral que a patrocinava, e escandalizou a sociedade da época ao abandonar o tradicional papel de esposa e mãe para provar que podia fazer o mesmo que um homem. Ao voltar aos Estados Unidos um ano e três meses depois, foi saudada enfaticamente por The New York Times como a responsável pela mais incrível viagem realizada por uma mulher.
  
  As mulheres só se costumavam envolver mesmo como espetadoras. Eram exaltadas por “embelezarem” o espetáculo ou convocadas para “enfeitar” os velódromos em dias de provas especiais, como já faziam nas provas de turfe e remo.
Mas no dia a dia era diferente. Nos momentos de lazer, americanas e europeias já davam os seus passeios com mais frequência. Elas valiam-se das bicicletas para se locomover melhor, aumentar sua presença no espaço público, ir contra as normas sociais ou simplesmente se divertir.

 Afinal, o preço da bicicleta era bastante alto no país, o que restringia a sua aquisição aos mais ricos. Era clara a diferença entre os que podiam comprá-la e os que somente pedi-la emprestada.

A edição da revista paulistana A Bicycleta: Semanario Cyclistico Illustrado de 12 de junho de 1896 dá uma mostra do que se esperava de uma ciclista mulher – nunca deveria ferir as condições de fragilidade, elegância e delicadeza que lhe eram atribuídas – e de um homem:

A ciclista romântica:
– Ah! Como deve ser delicioso deixar-se uma pessoa ir deslizando na sua bicicleta, contemplando as miríades de estrelas ao luar.
O veloceman prático:
– É belo, mas uma distração poderá também fazer com que se as veja ao meio-dia.

Entre as mudanças nos hábitos femininos causados pelo ciclismo está a distensão nas roupas, como o fim do uso do incômodo espartilho, peça que dificultava ou mesmo impossibilitava o ato de pedalar. O doutor O’Followell, o mesmo que defendeu o uso das bicicletas pelas “honestas”, condenava o espartilho com veemência, pois agredia a anatomia feminina, trazendo prejuízos à saúde. À medida que andar sobre duas rodas foi se tornando mais comum, as mulheres também passaram a usar roupas mais curtas e justas.

 A revista A Bicycleta também tinha uma seção chamada “Às Cyclistas”, com dicas de modelitos femininos. Apesar disso, abandonar os espartilhos e as roupas pesadas ainda era uma realidade distante para as brasileiras, e mesmo para as francesas, algo que só foi mesmo ocorrendo no decorrer do século.

Na imprensa também se nota como os homens ficavam apreensivos com a novidade de ver mulheres sobre duas rodas. Nas suas “Notas Semanais” publicadas num Jornal de 21 de janeiro de 1900, o cartunista Bambino retrata, em charge intitulada “Consequências naturais”, algumas ciclistas pedalando pela cidade (com roupas menos elegantes do que as usadas pelas parisienses de Marguerite Saint Gene), enquanto dois cavalheiros bem-vestidos olham com expressão jocosa.

Apesar da desconfiança masculina, o envolvimento das mulheres com o ciclismo foi irreversível, um retrato dos avanços da época e, ao mesmo tempo, um argumento para ampliar a presença feminina no espaço público. Se a prática foi resultado de um processo de reivindicação, também foi estimulada por um mercado de entretenimento que começava a surgir numa sociedade marcada pelas ideias de espetáculo e consumo. Foi um ponto de partida para que, anos mais tarde, elas conquistassem também seu espaço como atletas nas competições desportivas.


A bicicleta permitiu que a mulher se locomovesse de modo independente e ajudou a acabar com as roupas que restringiam seus movimentos, como o espartilho

Saiba Mais - Bibliografia


Ana M

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