No início era apenas um inofensivo gel para andar mais, depois um cafézinho, quando chegou a júnior isto já não chegava e havia umas pastilhas “inofensivas” também, depois veio a profissionalização, a pressão para resultados assim o “exigiu”.
O percurso do doping é simples, demasiado simples e os verdadeiros responsáveis raramente são a cara do problema, desaparecem como o fumo. O ciclo continua, quer pela má formação de jovens, quer pelo silêncio, os suspeitos do costume continuam a aliciar. É preciso parar com uma e outra situação, ninguém ganha com isto, a não ser os traficantes de substância que na promessa de resultados, estão a matar o desporto que os enriquece.
Este texto não é uma denúncia, é um alerta para os formadores de jovens, o doping começa nas escolas de ciclismo, com maus treinadores e maus pais. Quando maus orientadores se juntam, o ciclo está fechado e aberto o problema.
Somos todos responsáveis, há que formar e há que denunciar, sem medos!
No início do ano, tive o prazer de ter uma pequena formação com o director da Equipa Profissional Katusha, o ex ciclista profissional José Azevedo, nessa mesma formação, ele abordou o tema do doping da mesma forma como eu a vejo.
A formação e o incentivo ao doping começa muito antes do recurso e consumo de substâncias proibidas. O doping começa com o primeiro gel, o primeiro café, a primeira “pastilha inofensiva” em atletas de tenra idade, onde a atitude valoriza a substância e não o treino. O problema começa sobretudo com maus conselhos! E assim se inicia o processo de desvalorização do treino.
Os jovens entram nas escolas de ciclismo, ou nos clubes de formação e cedo se perde o foco sobre o real valor do seu percurso, começa a pensar-se apenas em ganhar, mesmo antes do atleta ter medianamente concluído o seu processo de formação básica e desenvolvido outras competência tão necessárias para o sucesso e mais importante, a manutenção do nível depois do sucesso alcançado. Procura-se saltar etapas.
O problema do doping não está na formação, está no formador!
O papel do formador quando falamos de desporto, nem sempre está no treinador, está muitas vezes no pai e deve estar, mas quando um e outro são maus formadores, estão as condições reunidas para a tempestade perfeita.
O treinador do jovem atleta, não é só formador do atleta, é também formador do(s) pai(s). Uma vez que este não pode ser desassociado do jovem e vice-versa, compete ao treinador formar este também no melhor interesse do jovem.
Quando no(s) pai(s), ou no treinador se sobrepõem a vontade de vencer à de formar o jovem, dá-se início ao um processo catastrófico.
Se o jovem perante esta pressão, não for orientado por maus caminhos, certamente abandonará o desporto, é o chamado “burnout”. Nem um, nem outro formador admitirão qualquer responsabilidade por este resultado, alegando sempre factores alheios á sua conduta. Mas o “burnout” por si só dará lugar a outro artigo, porque há também muito a dizer.
Nem todos os jovens que hoje praticam desporto chegarão a ser atletas, muitos deles abandonarão a modalidade antes dos 18 anos, alguns ainda irão um pouco mais além, mas a exigência da modalidade e uma genética pouco favorável irá intervir numa motivação por vezes baseada em objectivos descontextualizados, ou mesmo irrealistas, já para não falar nos contextos socioeconómicos. Serão apenas um pequeno punhado dos hoje jovens, que reunirão ao longo do percurso todas as condições e características para progredirem na hierarquia do desporto de alta competição, esses, serão o exemplos dos jovens que estão por nascer.
A formação que eles tiverem fará parte do conjunto de factores que ditará a probabilidade de atingirem os mais altos escalões da alta competição, como também o tipo de exemplo que serão.
Não basta querer ganhar, é preciso saber.
Não há “gel” que substitua o bom treino. Mas antes da formação física, há a formação psicológica e os valores. Antes de criarmos “jovens campeões” de títulos efémeros, devemos criar cidadãos capazes.
MM
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