A Índia terra natal está-lhe nos genes e nos gestos, mas ficou para trás há oito anos.
Para trás ficaram também os pais, tios e avós – 14 pessoas que partilham a mesma casa e sobrevivem da mesma loja em Basanti, Bengala Ocidental –, e o mundo que sempre conheceu, a partir do momento em que decidiu que o Mundo ia ser a sua casa. Somen Debnath tem 28 anos e só regressará à Índia – pelo menos, a julgar pelos seus planos – em 2020. Serão, no total e contas feitas, 16 anos e duzentos mil quilómetros de bicicleta, passando por 191 países do Planeta.
Já está a meio da jornada, acompanhado por uma bagagem de cinquenta quilos, entre tenda, saco-cama, roupa (pouca) e um álbum de fotografias onde vai semeando aqueles que conhece ao longo do caminho. Somen está agora em Portugal, o último dos países da Europa. Por cá tem tido dias calmos, junto da comunidade indiana de Odivelas onde encontrou abrigo e comida na mesa. “Sempre que chego a um novo país, a uma nova terra, encontro uma nova casa. Monto a minha tenda em templos indianos, em abrigos, faço couchsurfing [serviço de hospitalidade para viajantes com base na internet]. Quando não tenho solução, a minha tenda é a minha casa na estrada, é nela que durmo.”
Quando também não tem sítio onde almoçar e jantar, abastece o estômago em “pequenos supermercados” que encontra pelo caminho. Por mês, Somen – formado em Zoologia no país onde nasceu – precisa de 200 euros para as despesas.
“Oitenta por cento do meu apoio financeiro vem da comunidade indiana, que criou um fundo para me ajudar. Criei um sistema que é a venda de quilómetros: quem quer viajar comigo ajuda-me com dinheiro. Por exemplo: cinquenta euros para cinquenta quilómetros. Quem adere são amigos, pessoas que me descobrem através da internet e que vou conhecendo nos sítios por onde vou passando.” Somen não tem patrocinadores para a viagem. Mas tem uma mensagem: “Falar sobre a sida”, lutar contra uma doença de que ouviu falar pela primeira vez “na adolescência, aos 14 anos, quando morreu um homem perto da aldeia onde vivia”.
“Em Portugal, espero conseguir falar nas escolas e universidades sobre o VIH, como tenho conseguido nos outros países, quando o ano lectivo arrancar. Tenho uma carta da embaixada e basta que me abram as portas.” Vontade ele tem. Também de cativar aqueles com quem se cruza para o ajudarem a divulgar a aldeia global que quer erguer do zero na Índia.
“Quero construir o Mundo no meu país, receber todos quantos quiserem juntar-se a mim, de todas as crenças e religiões. De cada país onde passo levarei um bocadinho de terra, para colocar um dia nessa aldeia, num jardim global.” Aí, haverá também um orfanato, um lar de idosos, uma escola, uma quinta, prática de ioga e ainda um hospital para doentes de sida. “Sessenta por cento dos quilómetros que vendo são para essa aldeia que vai nascer em 2020; 40% para me manter na estrada. Os 20 milhões de pessoas que conhecerei vão ter uma aldeia na Índia para visitar e viver em comunidade.”
“Fui assaltado seis vezes, espancado oito, dormi com animais selvagens no meio da natureza. As histórias são muitas.” Na Alemanha, roubaram-lhe a bicicleta, o seu meio de transporte (“só vou de barco ou avião quando não há comunicação por terra”). No Bangladesh, conheceu a pessoa que até aqui mais um inspirou: “Um idoso que prova que para ser feliz não é preciso ser rico.” No Afeganistão, em 2009, foi raptado por talibãs e mantido em cativeiro durante 24 dias. “Limpava-lhes a casa e as armas, mas não podia comer a comida deles. Pedi-lhes para me darem a oportunidade de cozinhar comida da minha terra para provarem e perceberam que a minha missão não os punha em causa.”
Já em Lisboa, marcou-o visitar o túmulo de Vasco da Gama, figura histórica que une Portugal à Índia. Por agora está no Sul do País, e daqui a uma semana começará outro capítulo. Desta vez em África, onde ficará até 2015, de Marrocos ao Gana.
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