Reportagem retirada da Revista Bike Action...
Amortecer os impactos e tornar a pedalada mais confortável para o ciclista sempre foi um objetivo perseguido pela indústria ciclística e os exemplos mais antigos de bicicletas com amortecimento remontam ao final do século 19 com primitivos sistemas de feixes de molas.
O salto tecnológico veio com o crescimento do mountain bike nos Estados Unidos a partir do início da década de 90, quando os primeiros garfos de suspensão com curso entre 38 e 50mm no máximo começaram a conquistar o mercado. Não demorou muito até que as bikes ganhassem também amortecimento na parte traseira, conhecidas como full suspension.
A evolução das suspensões para bicicletas teve como referência os amortecedores utilizados no mercado motociclístico. A RockShox por exemplo, uma das pioneiras e líderes desse mercado, é fruto da experiência que fundador Steve Simons trouxe do motocross para o mountain bike.
Hoje temos bikes de downhill com cursos gigantescos de mais de 200mm na dianteira que permitem aos pilotos ousarem mais velocidade nas descidas, com saltos cada vez mais ousados. Para as modalidades cross country e marathon há bikes rígidas e full suspension com opções de amortecedores traseiros e garfos inteligentes que se adaptam automaticamente ao peso do ciclista, leem o terreno, travam sozinhos e facilitam a vida do atleta que se mantém focado na corrida.
FUNCIONAMENTO
Antes de entrarmos propriamente na questão do ajuste, é importante conhecermos um pouco dos diferentes tipos de suspensões oferecidos no mercado. A principal diferença entre eles é o sistema de amortecimento. Para simplificar, dividimos os tipos em:
Mola ou Mola e Elastômero
São as mais simples e as regulagens são mais básicas e, em alguns casos, não oferecem nenhuma regulagem.
Elastômero é um cilindro feito de um tipo de borracha sintética com propriedades elásticas que vai no interior da canela ou bengala. Algumas suspensões têm também uma longa mola espiral que fica geralmente na canela esquerda.
Há suspensões desse tipo que têm regulagem e algumas (raras) oferecem trava na canela direita. Nas de elastômero, uma forma de regular a maciez ou a dureza do funcionamento é trocando-se o elastômero por outro de diferente densidade.
Normalmente esse tipo de suspensão é utilizado nas bikes mais simples voltadas ao lazer e nos modelos mountain bikes mais econômicos.
Esse tipo cumpre o papel de amortecer impactos, mas têm o inconveniente de retornarem rapidamente à posição inicial e isso nem sempre é o ideal em situações de terrenos muito esburacados, pedregosos etc. Um bom exemplo de suspensão a elastômero são os modelos da série ER da marca brasileira Proshock.
Hidráulicas – mola e óleo
Nesse tipo, a mola ou elastômero é substituído por óleo, que vai fazer o papel de mola hidráulica, como nos amortecedores de automóveis. O óleo pode ir solto no interior da canela direita (sempre do lado direito para escapar do calor gerado pelo aquecimento do travão de disco) ou então no interior de uma cápsula. São mais sensíveis e fazem uma melhor leitura do terreno. O amortecimento de impactos restringindo a passagem do óleo por um ou mais orifícios. Normalmente oferecem ajustes de pré-carga, compressão, retorno e trava.
Pneumáticas – ar e óleo
Usa ar comprimido como mola. Além de mais leves (já que não usam óleo), esse tipo é mais sensível e o que melhor lê o terreno, permitindo um ajuste de pré-carga mais preciso, de acordo com o peso do ciclista e o terreno. A calibragem é feita com uma bomba especial para suspensões. Do lado direito dessas suspensões fica o sistema hidráulico (a mola a óleo) e as regulagens de compressão e retorno do óleo.
TRAVAR PARA SUBIR
Atualmente, a maioria das suspensões traseiras, e alguns amortecedores traseiros também, podem ser travados. Algumas travas ficam localizadas no corpo da suspensão e outras, mais sofisticadas, têm um controle remoto no guidão acionados por cabo ou por sistema hidráulico.
Há também modelos que se travam automaticamente. A trava transforma a suspensão praticamente num garfo rígido, situação particularmente interessante em situações onde o ciclista pedala em pé e o afundamento desnecessário da suspensão desperdiça energia e prejudica o rendimento em subidas.
AJUSTES
Mas não basta ter a melhor suspensão do mercado se ela não estiver bem regulada para o ciclista, afinal, uma mesma bike com um determinado conjunto de suspensões poderá ser utilizada tanto por um ciclista de 60kg quanto por um de 90kg. É aí que entra o set up individual, com ajustes especificados para cada ciclista. O ajuste de SAG é o início de tudo e talvez o mais importante no set up individual de uma suspensão dianteira ou amortecedor traseiro. Sag, em inglês, significa afundar, mergulhar, ou seja, ajustar o SAG nada mais é que regular o quanto que a suspensão afunda com o peso do ciclista sobre a bike. As suspensões vêm de fábrica com uma determinada regulagem de pré-carga (Preload) que se traduz em tantos centímetros de afundamento para um certo peso do ciclista parado. Via de regra, o SAG deve ser ajustado para que a suspensão (ou amortecedor traseiro) afunde entre 15 e 20% do seu curso.
Nos modelos de mola/elastômero ou hidráulicos o botão de pré-carga fica geralmente na canela esquerda. Nas suspensões a ar o ajuste de SAG vai ser feito pela válvula no alto da canela. Como o volume de ar é pequeno, essa operação é delicada e exige a bomba especial para essa finalidade. Jamais tente calibrar com uma bomba comum para pneus e muito menos num compressor ou no posto de gasolina. Consulte sempre o manual da sua suspensão para saber a pressão indicada para seu peso. Caso não tenha o manual original, pesquise na internet de acordo com a marca e modelo do equipamento.
COMO SE FAZ
Para saber o quanto sua suspensão afunda com o seu peso, o jeito mais prático é prender uma fita zip-tie na parte mais baixa da haste da suspensão. Apoiado numa parede ou seguro por um amigo, suba na bike e sente-se na posição de pedalada. A suspensão vai afundar e a fita zip-tie vai apontar com precisão o quanto a suspensão afundou. Em garfos com ajuste de pré-carga, gire o botão no sentido horário para aumentar a pressão da mola e diminuir o afundamento, ou para a esquerda para aumentar o afundamento. Se a suspensão afundar menos de 15% do curso total e a pré-carga estiver em seu mínimo, a solução será trocar a mola (ou elastômero) por outra mais mole. Nas suspensões a ar, calibre com a pressão desejada de acordo com a tabela de fábrica.
Já existem bikes com ajuste automático do SAG. É o caso de alguns modelos Specialized lançados em 2011 que são equipados com amortecedores traseiros Fox e que têm um sistema muito prático e rápido de ajuste, onde o ciclista calibra o amortecedor, sobe na bike e basta apertar um botão para que ele se ajuste sozinho.
Por fim, lembre-se que os ajustes são bem pessoais e cada um tem seu próprio jeito de pilotar. Assim, quem curte cross country competitivo, pode optar por um sag de 10% do curso para garfos com curso de 80mm e entre 10 e 15% suspensões de 100mm. Para trilhas mais técnicas e acidentadas, prefira um sag mais amplo, com até 20%. Já os atletas profissionais preferem um set up mais duro, com o mínimo de sag possível. O importante é que cada um encontre o seu valor ideal por meio de testes e pela experimentação.
COMPRESSÃO
Outra regulagem importante é o da compressão da mola, que deixa o funcionamento mais duro ou mais mole e suave, dependendo do gosto do ciclista e do tipo de terreno. Esse ajuste normalmente é por meio de um botão giratório no alto da canela e pode ser feito durante a pedalada.
REGULAGEM DO RETORNO
O ajuste de retorno determina o tempo que a suspensão leva para voltar ao estado original depois de receber um impacto. Essa regulagem é feita por meio de um botão que fica localizado, na maioria dos modelos, na parte inferior da canela direita. Quando o botão é girado para a direita, o retorno da suspensão é mais rápido e para a esquerda o retorno se torna mais lento.
Só para entender o conceito, um retorno rápido faz a bike pular muito numa descida acidentada, por exemplo. Já um retorno muito lento faz com que a suspensão atinja o final do curso com facilidade.
Para começar, tente um ajuste mais conservador, com o botão no meio da escala por exemplo, e vá testando até obter o melhor comportamento. Um ajuste perfeito vem após um tempo de adaptação com o equipamento e depois de
algumas tentativas e erros de ajustes.
PALAVRA DO EXPERT
Regulagens mais finas e tunagens especiais para competição devem ser feitas por profissionais experientes e com ferramental específico. Além de bem ajustada para o peso, para o terreno e para as necessidades e estilo do ciclista, uma suspensão pode ter seu funcionamento otimizado mexendo-se na viscosidade do óleo, na escolha das lâminas e também das válvulas, esse último processo é o que se chama de “revalvular” e exige muito conhecimento e perícia.
“Uma suspensão bem regulada tem que ser progressiva do início ao final do curso para que o atleta tire o máximo de aproveitamento do equipamento. Uma suspensão tunada para determinado atleta gera um rendimento muito melhor e vai funcionar perfeitamente tanto em trechos com pequenas oscilações quanto nos momentos de pancada. Além disso, uma bike full suspension com um amortecedor traseiro bem regulado, ajuda muito na tração”, garante Ulisses Dupas, especialista em suspensões e amortecedores e proprietário da oficina conceito Conexão Brasil, com mais de 20 anos de experiência e conhecimento adquirido nas apostilas do famoso Instituto Barnett, referência mundial em mecânica de bicicletas.
Em sua oficina em Campinas (SP), que tem um ferramental completo de fazer inveja a muita concessionária de motos, Dupas dá assistência técnica e customiza amortecedores e suspensões que chegam de todo o país pelos Correios.
Dicas de Ulisses Dupas para aumentar a vida útil da suspensão:
- Fazer regularmente as trocas de óleo. “O óleo velho perde suas propriedades químicas. Todo óleo traz em sua composição aditivos com propriedades lubrificantes, detergentes, de antioxidação, antiatrito e de arrefecimento. O próprio calor faz com que o óleo perca essas propriedades. Não é em vão que em todas as suspensões o óleo fica na canela direita, do lado oposto do freio”, ensina Dupas.
- Manter limpas as canelas. Usar um pano seco para isso.
- Afastar a parte de borracha do retentor com um palito de dente e aplicar uma gota de óleo em cada canto. Pode ser óleo de corrente a base de teflon.
- Desmontar a bengala uma ou duas vezes ao ano para lubrificação e substituição dos retentores.
- Amortecedores traseiros exigem menos manutenção. “Em geral, o período de manutenção é o dobro do dianteiro”, ensina. Em casa, basicamente o que se pode fazer é passar um spray de silicone na haste e leva-lo para a manutenção para ser feita uma limpeza na câmara de ar.
O QUE VEM POR AÍ
A última palavra em amortecedor traseiro já está pronta vai chegar ao mercado em breve. O fabricante francês Lapierre trabalhou na surdina durante cinco anos em parceria com a americana RockShox e desenvolveu um sistema eletrônico que promete agitar o mercado.
Chamado de E.I Shock, o sistema da RockShox é alimentado por uma bateria recarregável e conta com um computador que mede a força dos impactos e a energia de pedalada com acelerômetros e sensores de cadência e regula automaticamente o funcionamento do amortecedor traseiro no intervalo de um décimo de segundo.
O sistema E.I Shock vai equipar, além das La Pierre, as bikes das marcas Ghost e Haibike que pertencem ao grupo Accell.
MM
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