Javier junto à fronteira da Guiné-Bissau com a Guiné-Conacri
Um caminho de 38 mil quilómetros de bicicleta pela Ásia fora transforma-se rapidamente num repositório de histórias quase surreais. Como a dos polícias do Irão a quem Javier de La Varga pediu ajuda por ter sido roubado por militares. "Foram ao quartel e recuperaram tudo o que me tinham roubado. Noutra cidade, fui parado por uma barreira policial na estrada. Quando lhes expliquei quem era e o que estava a fazer, os próprios polícias ‘obrigaram-me’ a aceitar que me pagassem o hotel."
E que explicou Javier de La Varga aos polícias iranianos? Que é fotógrafo, 31 anos feitos há dias, e viaja pelo Mundo desde 2004 – depois de ter deixado a meio um aborrecido curso de Comércio Internacional, em Madrid. Em 2010, estava cansado de depender de transportes públicos, que invariavelmente o levavam às grandes cidades. "Tento sempre evitá-las porque é nas cidades que estão as piores pessoas de todos os países. E depois não podes acampar, não tens onde guardar a bicicleta. As cidades só servem para ter internet rápida e comer melhor por uns dias." Percebeu que a melhor forma de viajar seria voltar à paixão da infância, a bicicleta. E é em duas rodas, com 75 quilos de bagagem presos a elas, que iniciou a travessia do planeta, em setembro de 2010.
ENCONTRO NA ÍNDIA
Começou sozinho a viagem de 38 mil quilómetros entre a Indonésia e Madrid, mas uma peripécia na Índia mudou os planos: "Já viram onde o amor se cruza... Conheci em Calcutá uma espanhola da minha terra, nos arredores de Madrid. Natália quis fazer comigo à viagem e agora pedalamos juntos".
E o rol de histórias foi crescendo, alimentando o site bicicleting.com, que vai atualizando à medida que as ligações da internet o permitem. "O país mais acolhedor onde já estive foi o Uzbequistão. Todos os dias éramos convidados a jantar em casa de alguém. O Irão foi outra surpresa. Temos a ideia de um país entregue a fanáticos religiosos, mas, tirando a Europa, foi o único sítio onde encontrei ateus. É uma sociedade muito culta e mais aberta do que se pensa."
Do Tajiquistão guarda os momentos mais difíceis: "A temperatura andava pelos 40 graus negativos. Meti-me por uma estrada de montanha e passei quatro dias enterrado na neve, sem comida, até conseguir alcançar o porto onde queria chegar. Pensei que ia morrer."
Javier e Natália deparam-se a cada momento com as diferenças culturais. "É interessante como as pessoas reagem à nossa viagem. Nos países islâmicos somos muito bem recebidos. Para o Corão, o viajante é um amigo de Maomé, que ajuda a espalhar a mensagem. Na Índia, pelo contrário, fui encarado com toda a desconfiança. Não percebem a viagem sem destino certo, sem uma razão compreensível, ainda por cima de bicicleta, o transporte dos pobres."
Em África – o casal começou em janeiro a fazer o percurso de 40 mil quilómetros de Madrid à Cidade do Cabo – as pessoas têm outra curiosidade. "Estão sempre a perguntar-me quanto custa a bicicleta, a tenda ou o material que levo." Com a ajuda dos patrocinadores e com o que lhe pagam pelas reportagens que vai fazendo pelo caminho, Javier conta com 150 euros por mês. "Viajar de bicicleta é a forma mais barata. Vivo com cinco euros por dia."
A ‘Domingo’ encontrou Javier no Sul da Guiné-Bissau. Natália, de 32 anos, está no Senegal – é enfermeira e está a fazer um voluntariado de três meses. Javier prossegue a viagem pela Guiné-Conacri (pouco preocupado com o surto de ébola que surgiu no país) e vai regressar ao Senegal para apanhar Natália. Juntos hão de pedalar até à África do Sul, onde esperam chegar daqui a três anos. Para depois apanharem uma boleia de barco para a América do Sul e passarem mais três anos a pedalar até ao Alasca. "Isto já não é uma viagem, é uma forma de vida."
MM
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